Voltar
Sempre gostei de imaginar que apenas o autor das palavras é capaz de compreendê-las com exatidão, absorver cada pequena curva no caminho entre as frases, sentir a ânsia antes das consoantes e ser engolido em cada parágrafo para um mundo onde o papel é vida.
Hoje vou tentar contrariar isso o melhor que as minhas capacidades me permitirem.
Em Setembro do ano passado tomei a decisão de colocar uma mochila às costas e vir à procura de algo que nem eu mesma sabia o que era mas, para mim, o mais importante era vir e descobrir(-me). Desde pequena que sempre fui assim, de tudo ou nada, sempre me atirei de cabeça às coisas, sempre lutei pelo que acredito, sempre defendi que não serve de muito pensarmos e repensarmos nas coisas, vamos sempre encontrar prós e contras em tudo e o segredo está em baixarmos o volume dos nossos pensamentos e fazer o que queremos realmente fazer. É a tal história de atirarmos a moeda ao ar estando duas coisas em jogo e não sabermos o que saiu mas desejarmos no nosso íntimo que saia um determinado lado. Nós sabemos sempre qual o caminho que queremos seguir ainda que a incerteza do passo seguinte nos empurre por vezes para outro lado.
Eu quis fazer esta viagem porque sempre quis mais do mundo, da vida, de mim e estava certa que era esse o meu caminho mas a vida decidiu trocar-me as voltas e empurrou-me para a incerteza onde só um grande amor me podia colocar.
E eu sabia que viria mesmo assim, que o ia trazer na desarrumação que estava a minha bagagem, que a saudade se ia tornar parte do dia a dia, mas acreditava que com o tempo nos íamos adaptando e aprendendo a viver num espaço entre a utopia que é viver um amor à distância e o romantismo dessa possibilidade.
Agora, como personagem principal desta história, acredito que o amor, um amor de verdade, daqueles que viram mito, filmes da Disney, poemas e músicas, resiste à distância, à saudade e à ausência física, acho que nós é que não.
O ser humano está programado para num reflexo de dor se afastar, para se esconder do que o assusta, para fugir do que sabe que o pode magoar e na certeza dessa possibilidade é que tomei a decisão de voltar. Não porque o nosso amor não resistiria a um ano de distância, mas porque sei que para nossa sanidade mental, para nosso conforto emocional, para uma estabilidade pessoal, nos iríamos afastar aos poucos como placas tectónicas que divergem pelo acumular de um conjunto de momentos não partilhados, de palavras que ficaram por dizer nos dias sem rede, sem internet, sem tempo, por frustrações do dia a dia, por medos e inseguranças ainda que não fundamentados.
Podia dizer que volto pelo cansaço que uma viagem deste gênero provoca, pela preocupação de todos os dias ter de arranjar onde ficar, por todos os dias ter de fazer contas, ver descontos, regatear preços, por andar com a casa às costas, por ter saudades do conforto e privacidade de ter um espaço meu, por nem todos os dias poder tomar um banho, por ter de testar constantemente os meus limites, por ter de partilhar quarto com mais 10 pessoas, porque não arranjei trabalho e o dinheiro estava a acabar. Podia, e talvez me compreendessem melhor, mas não seria verdade. Volto porque não sei estar em dois sítios ao mesmo tempo e porque é ao lado dele que me quero descobrir no mundo que criamos para nós.